A Palestina é Criada e sela paz defintiva com Israel
O sol da tarde derramava-se pela cortina entreaberta como fio de âmbar líquido, aquecendo meus pés descalços com uma ternura quase maternal. Afundado no sofá, meu corpo pesava como chumbo, grudado ao tecido, enquanto a mente flutuava num limbo entre sonho e vigília. A TV sussurrava à distância—vozes anônimas, risadas efêmeras, comerciais alienígenas—até que um bip metálico, agudo, rasgou o torpor. Um plantão. Meu coração disparou antes mesmo da consciência alcançar; a preguiça evaporou-se. Abri os olhos lentamente. A sala, agora silenciosa, parecia conter o ar.
Na tela, um repórter com voz contida, mas vibrante: "Acordo histórico: Israel e Palestina selam paz definitiva! Estado Palestino reconhecido!" Minutos antes, o mundo girava em sua rotina cega. Agora, parara.
A câmara adentrou o salão onde a história se forjava. Luzes suaves dançavam sobre o mármore polido da Sala Régia do Vaticano—palco escolhido a dedo. Sobre a mesa, duas canetas de ébano repousavam como armas depostas. O Sumo Pontífice, imóvel atrás dos líderes, não era mero espectador: era o arquiteto das sombras. Por meses, o Vaticano operara nos bastidores, canalizando redes diplomáticas secretas, oferecendo neutralidade sagrada e pressionando potências a liberar apoios financeiros cruciais. Em troca, Israel aceitara desmontar assentamentos; a Palestina assumia profundas responsabilidades. Jerusalém seria capital compartilhada—um mosaico de soberanias entrelaçadas.
As mãos dos líderes encontraram-se num aperto. Tremiam não de fraqueza, mas do peso de séculos. O dedo do israelense pressionou a caneta com força, como quem enterra um punhal; o palestino lacrou o gesto com um suspiro rouco. Por trás, o Papa inclinou a cabeça—um aceno que selava décadas de mediação clandestina, onde a fé servira de âncora à Realpolitik.
Nas ruas de Ramallah e Tel Aviv, o êxtase explodiu em corpos que se entrelaçavam—jovens carregando idosos nos ombros, mães oferecendo baklava a soldados israelenses, crianças soltando pombas com bandeiras híbridas. Mas o verdadeiro milagre estava além do Médio Oriente.
As imagens dos líderes—rostos sulcados de lágrimas, mãos unidas sob a cruz do Vaticano—tornaram-se um espelho moral para o planeta. Coreia do Norte e do Sul, em gesto inédito, anunciaram um encontro em Pyongyang "inspirados pela coragem de rivais que ousaram recomeçar". Índia e Paquistão reabriram canais de diálogo sobre a Caxemira. Até na Ucrânia, soldados em trincheiras pausaram conflitos para assistir, em tablets sujos de lama, àquela cerimónia.
Era uma cascata de constrangimento luminoso: como negar concessões quando o conflito mais intratável do século findara? Líderes europeus aceleraram pactos migratórios; EUA e China reduziram tarifas num telegrama conciso. A paz, afinal, provara ser contagiosa—e mais barata que a guerra.
Enquanto isso, meu apartamento transformara-se numa cápsula sensitiva. Sentia o veludo do sofá sob as palmas, o calor solar ascendendo pelas pernas, o frio artificial do ar-condicionado colidindo com as lágrimas quentes. Cada célula vibrava em sintonia com os vídeos que inundavam as redes: médicos em Gaza e Haifa abraçados sobre macas, beduínos e colonos compartilhando chá no Negev.
Mas o ápice veio com a reação em cadeia. Em Pequim, Moscou e Washington, chancelarias apressavam-se a emitir comunicados—não por cálculo, mas por vergonha cívica. Aquele acordo fora um espelho: se inimigos ancestrais podiam ceder, quem eram eles para travar guerras por orgulho?
Quando as luzes da cerimônia se apagaram, não era apenas um tratado que nascia. Era um novo código nas relações internacionais—o "Efeito Vaticano", diria o Financial Times no dia seguinte. A paz difícil entre israelenses e palestinos não apenas mudara mapas; reescrevera a psique global.
O Papa resumiria, em discurso posterior: "Nós devemos ao mundo um pedido de desculpa. Nós devemos ao mundo a paz! Quando o ódio parece lógico, a reconciliação torna-se revolução." E a revolução, agora, tinha rosto: o tremor das mãos dos líderes naquele salão, a expressão serena do Sumo Pontífice, a multidão que transformara checkpoints em palcos de dança.
Eu permaneci imóvel, os pés ainda aquecidos pelo sol, mas a alma projetada no turbilhão humano lá fora. O sofá abraçava meu corpo, mas meu espírito orbitava aquele instante único—em que a política deixara de ser arte da guerra para tornar-se, enfim, a arte do abraço possível.
Foi assim que mundo, suspenso por décadas num suspiro partido, recomeçara a respirar do meu sofá.
Nenhum comentário:
Postar um comentário